sexta-feira, 28 de abril de 2017

Machismo (lésbico) de cada dia...

Um dia, em algum tweet da vida, eu li a seguinte afirmação: "Ninguém nasce desconstruído, só Lego".

Achei lindo, achei o máximo e adotei pra mim. Até porque eu estou em processo de desconstrução profunda desde que me assumi como mulher lésbica. Ainda estou processando muitas informações e conceitos, mas vamos lá... Crescendo sempre. No momento em que comecei essa nova postagem, estava ouvindo Bon Jovi, mas depois coloquei Karol Conka e MC Carol, pra dar aquela inspirada. Sabe coisa de quem vai pra academia ouvindo Sia com David Guetta? Pois é... Música ajuda muito no momento.

Eu cresci com exemplo de mulheres guerreiras perto de mim. Mulheres que fizeram a diferença. Mulheres que pegam no batente. Mulheres de atitude. Minha mãe a maior delas. Todos esses exemplos me ajudaram a construir desde pequena a noção (obrigada mãe por esse grande conselho), de que eu deveria estudar para "não depender de homem algum" quando ficasse adulta. Quando criança eu não entendia o verdadeiro motivo de tal conselho. Hoje com quase 30 anos de existência (quase nenhum de experiência), eu posso dizer que sim, infelizmente eu entendo direitinho o porquê desse conselho. E procuro aqui explicar esse porque.

Começando pelo óbvio. Vivemos SIM numa sociedade machista. Isso não é novo. Porém, está tão enraizado em nossa sociedade (e, porque não, em nós?), que até mesmo em relações lésbicas (ISSO MESMO), vemos esse machismo sendo reproduzido. Relações onde deveriam have duas MULHERES exercendo seus papéis conforme os ditames de sua própria identidade de gênero, vemos várias delas reforçando em seus papéis ou de suas companheiras, esse machismo nosso de cada dia. Um machismo que contamina até mesmo membros da comunidade LGBT, que é a que mais sofre com machismo e heteronormatividade.

Mas primeiro eu quero explicar o conceito de heteronormatividade e depois falar um pouco do machismo. Um é consequência do outro e um está contido no outro. 

HETERONORMATIVIDADE 

Vários autores, estudiosos, teóricos e cientistas sociais tentaram teorizar e problematizar o conceito por trás da ideia de heteronormatividade. Muito se tem falado sobre ela e pouco se tem discutido (em âmbito mundial) sobre os seus efeitos nas vidas tanto de LGBTs quanto de heterossexuais. Em suma, a heteronormatividade pode ser definida como práticas e instituições que legitimam e privilegiam a heterossexualidade e relacionamentos heterossexuais como fundamentais e 'naturais' dentro da sociedade". 

Assim sendo, podemos estabelecer certos comportamentos de lésbicas como heteronormativos, ao passo que indicam uma certa preferência por papéis de gêneros bem exemplificados na relação através de uma divisão clara de comportamentos entre as duas companheiras. Exemplos claros seriam a lésbica masculinizada que se comporta como o gênero masculino na relação enquanto lê sua companheira como o gênero feminino. A lésbica masculina (conhecida como Butch, Caminhão, Bofinho), que prefere lésbicas femininas (conhecidas como Femme, Lady), porque esse tipo de relacionamento pode afirmar o papel de homem e mulher, mesmo que biologicamente falando, a relação seja entre duas mulheres. 

Aqui estamos falando do imagético. Falamos do que se lê e não do que se é. Pelo olhar atual de nossa sociedade, ao vermos uma lésbica masculina já tachamos em nossa mente que aquela mulher é a parte ativa na relação. E isso vai muito além do sexo: pode ser ativa por ser a que trabalha, a que toma a frente, a que decide tudo, que, em nossa mente, adota o papel do homem. Isso tudo se dá porque a definição que temos de masculino e feminino é pautada pela heteronormatividade. Em nossa mente, homem e mulher tem seus papéis bem definidos dentro da sociedade e suas instituições. Papéis esses que reforçam conceitos machistas de que mulheres e homens devem ter comportamentos diferentes e que para uns certos comportamentos são tolerados e para outros, outros tipos de comportamentos são censurados. 

MACHISMO

Machismo é um conceito que está dentro do conceito de heteronormatividade. baseia-se na supervalorização das características físicas e culturais associadas com o sexo masculino, em detrimento daquelas associadas ao sexo feminino, pela crença de que homens são superiores às mulheres. Só com essa definição fica claro que é um conceito que já está enraizado em nossa sociedade há muito tempo. Por isso fica tão difícil erradicá-lo, ou senão, amenizá-lo do nosso convívio. E não são somente homens que reproduzem discursos e comportamentos machistas. Mulheres tanto heterossexuais quanto as homossexuais reproduzem sim o machismo no dia a dia e isso é muito triste. Somente desmascarando, apontando, discutindo e problematizando, podemos tirar isso de nós. Assim teremos uma convivência mais harmoniosa com todos e poderemos respeitar mais a nós mesmas como mulheres. 

O machismo está presente sim nas relações lésbicas ao mesmo tempo em que está a heteronormatividade. O pensamento de que a figura feminina na relação deve se ater às tarefas domésticas e cuidar dos filhos é uma forma de reproduzir o machismo. Também o pensamento de que deve haver um "homem" na relação. A ideia de que uma das parceiras deve se comportar como a figura masculinizada que provê segurança, toma a frente, tem a iniciativa... São muitas maneiras e elas legitimam no casal o que a sociedade já vem querendo nos ensinar. De que as relações são saudáveis quando existe patriarcado, mesmo que esse patriarcado seja praticado por uma mulher reproduzindo e espelhando a masculinidade. 

CONCLUSÃO

Os papeis de feminino e masculino são construções binárias de uma sociedade há muito tempo heteronormativa que desde nosso nascimento dita nossos gostos, comportamentos, papéis na sociedade, tudo ligado ao órgão sexual com o qual nós nascemos. Mas saindo um pouco da caixinha, podemos repensar e desconstruir essa noção e concentrar nossos esforços e não estereotipar ninguém com base em um simples fato biológico, que não deve ser parâmetro para balizar o jeito que ninguém vai viver sua vida. Principalmente numa relação lésbica, onde a desconstrução deve sim ser uma constante. Lutar contra o machismo dentro da comunidade LGBT deve ser o ponto de partida, para depois lutarmos contra o machismo na sociedade como um todo. Somos nós as quem devemos parar de reproduzir conceitos machistas, mesmo que velados e pequenos. Assim, estaremos um passo mais perto de concretizar uma sociedade mais justa e igualitária para todos.