quinta-feira, 4 de junho de 2020

A ineficiência da guerra às drogas e o encarceramento sistêmico de negros.

ATENÇÃO! O seguinte artigo foi escrito com base nos estudos de Juliana Borges e sua entrevista concedida à Djamila Ribeiro no Canal Feminismos Plurais. O tema está mais aprofundado no livro Encarceramento em Massa, da própria Juliana. Todas as fontes estão listadas no final do artigo.


Que a guerra às drogas é ineficiênte, isso é incontestável. Os números apontam para uma ineficiência governamental sobre o problema e a abordagem mais do que ultrapassada que se dá ao problema social. Aliado a isso, temos a deficiência do sistema judicial em sentenciar de maneira justa os indivíduos presos por posse de drogas. E para completar o combo da abordagem falha, temos o sistema prisional extremanente punitivo e falho quando se propõe a readequar seus prisioneiros à sociedade... Será mesmo que se propõe?

Para iniciar nossa contemplação dessa realidade, vamos trazer os pontos levantados por Juliana Borges durante entrevista concedida no Canal Feminismos Plurais. Djamila pincela o caráter punitivo do sistema correcional, lembrando da máxima conservadora tão defendida nos meios reacionários do país: "Bandido bom é bandido morto". Essa brilhante lembrança nos lembra que moramos num país extremamente racista, quando percebemos que há bandidos de pele clara, colarinho branco e que estão inseridos num contexto socio-econômico que os priva de qualquer tipo de punição. O Brasil pune sistematicamente quem é pobre e negro. Se for mulher negra, os números são mais expressivos, como veremos a seguir.

Juliana começa explicando o termo "encarceramento em massa". Para longe da noção de grandes ônibus lotados de detentos entrando a cada hora nas prisões, o termo é bem mais abrangente e bem mais compreendido com a apresentação de alguns dados. Juliana apresenta o seguinte cenário:

O Brasil é o terceiro país que mais encarcera no mundo.

O Brasil está entre os 30 países com maior taxa de encarceramento do mundo. 

O Brasil está em 3º lugar na quantidade de pessoas presas. Atrás somente dos EUA e da China. Atualmente, segundo dados do DEPEN divulgados em 14 de Fevereiro de 2020, até junho de 2019, a população carcerária do brasileira era de 773.151 presos, número que triplicou desde 2000. A taxa de encarceramento a cada 100 mil habitantes passou de 137 para 367,91 até junho de 2019. Não dá para ignorar o contigente carcerário gigantesco que temos em nossas mãos.

Motivações para as prisões

Assim como existem diversos tipos de prisões, há também diferentes tipos de formas de punição e restruturação social de um criminoso., que podem ser aplicadas como alternativa de encarceramento. Esses tipos de condenações são conhecidas como penas alternativas. De acordo com o artigo 44 do Código Penal, as penas restritivas de direitos podem substituir a prisão clássica se a pena for menor do que quatro anos de prisão. Além disso, o crime pelo qual o réu foi condenado não pode ser violento ou de grave ameaça. Também cabem penas alternativas nos casos de crime culposo. Lembrando que a pena para adquirir, guardar ou trazer consigo substância entorpecente ou que determine dependencia química ou psíquica é de seis meses a dois anos. Ou seja, há sim a possibilidade de enxugar o número de pessoas que são encarceradas, apenas aplicando medidas alternativas. 

Aliado a isso, a quantidade de presos provisórios em 2018 era de cerca de 40%. Adicione à conta o fato de que o sistema prisional está lotado em mais de 30%. Juliana conclui a partir desses dados que se o governo resolver os crimes com presos provisórios, já poderia diminuir o número de encarcerados e terminar com a superlotação dos presídios. 

Perfil dos presos:

A maioria dos presos subdivide-se em mais de 20% para roubo. Porém, entre 2005 e 2013 o aumento no número de presos para tráfico cresceu em 339%. Esse número é consequencia direta de uma alteração na Lei de Drogas, que trouxe penas mais duras para os traficantes, porém teve um efeito perverso para os usuários e pequenos traficantes.

Apenas 11% dos presos estão encarcerados por homicídio. 

No caso das mulheres, o tráfico é responsável por mais de 50% que estão presas. 

Apenas pela análise desses dados, podemos concordar com Juliana quando a mesma diz que a guerra às drogas é um instrumento de encarceramento em massa. A mesma afirma na entrevista para o Canal Feminismos Plurais: "A guerra às drogas é um dos principais mecanismos para termos esse cenário de grande encarceramento no Brasil".

Boom no número de encarcerados

De 2004 a 2016, houve um aumento de mais de 500% no número de mulheres encarceradas, de acordo com Juliana. Desse contigente, mais de 60% são de mulheres negras. Tal cenário contribui para o estereótipo de que preto e bandido são sinônimos.

Muitas vezes, as pessoas presas vão para o cárcere por uma quantidade apreendida muito baixa. Como um exemplo, Juliana apresenta um estudo que, em 2018 constatou que no RS, mais de 70% das apreensões de pessoas portando drogas, não chegavam nem a 42 gramas. O dado torna-se muito mais patético quando levamos em consideração que em Portugal, quantidades até 42 gramas, categorizam o portador como usuário e, portanto, não configuram prisão.

 Não podemos negar que há um grande número de pessoas negras nas prisões do Brasil, porém podemos indagar se são legítimos os processos judiciais que os colocam ali. Quando percebemos que é sistemático o ato de levar negros e pobres para a prisão, podemos começar a perceber como os estereótipos são formados e como os mesmos estigmatizam a comunidade negra. 

Conclusão

É urgente a necessidade de se repensar o sistema prisional, o encarceramento sistemático e punitivista e a reforma do nosso sistema correcional. 

A guerra às drogas é ineficiente e só serve para inflar nossas prisões e muitas vezes pune de forma severa quem está apenas usando a droga e não traficando de fato. E quando se pune traficantes, aquele traficante de universidades, baladas, festinhas e reuniões, que é branco e estudante, fica de fora da punição do Estado, que possui um sistema punitivo arquitetado para prender somente jovens negros e pobres. 

O encarceramento em massa é real e deve ser combatido. Uma das melhores maneiras de livrar nosso país desse peso em nossas prisões é levar em consideração o respeito à liberdade do cidadão de legalmente consumir a substância que melhor lhe aprouver. A liberdade civil pressupõe que o Estado não é patrono da vida do cidadão. O indivíduo é dono de sua vida, seu corpo e suas ações. Se o uso recreativo de tais substâncias dizem respeito à somente o indivíduo, o Estado precisa rever a necessidade de abandonar a guerra às drogas, pois a mesma já se provou ineficaz há muito tempo. Além de ineficaz, virou instumento de encarceramento da população negra.

Fontes:

https://www.gazetadopovo.com.br/republica/populacao-carceraria-triplica-brasil-2019/#:~:text=At%C3%A9%20junho%20de%202019%2C%20a,at%C3%A9%20junho%20do%20ano%20passado.

https://www.politize.com.br/penas-alternativas-a-prisao-no-brasil/

https://g1.globo.com/politica/noticia/um-em-cada-tres-presos-do-pais-responde-por-trafico-de-drogas.ghtml

https://www.youtube.com/watch?v=cIBRsLA8ECQ&t=2251s

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