domingo, 18 de outubro de 2015

Viúvo tenta se despedir da companheira

Depois da morte da mulher, homem se desespera na busca por uma explicação e encontra conforto com os amigos

 Imagem/Raisa Marcondes 
“Os produtores de ‘Chico Xavier’ repetem, feito mantra, que não fizeram um filme espírita. ‘Tomei cuidado para que não fosse doutrinário’, diz o diretor Daniel Filho. ‘O filme, antes de qualquer denominação que possa segmentá-lo, é uma cinebiografia de uma das personalidades mais conhecidas e queridas dos brasileiros. Foi feito para ser visto por todos que gostam de uma belíssima história de vida’, emenda Carlos Eduardo Rodrigues, diretor da GloboFilmes.”Folha de S. Paulo, 26/02/2011
Raisa MarcondesEle acordou. Inconscientemente estendeu a mão para o lado esquerdo da cama. Encontrou somente um lugar vazio e um travesseiro já gasto. Suspirou e lembrou-se de que não estivera sonhando nos últimos anos. Lembrou-se de que a realidade da morte da mulher era tão tangível e já não podia ser mais negada. Era só uma questão de tempo até que as cicatrizes não doessem mais. Se é que era possível.
Procurou as respostas dentro de si mesmo. Será que havia sido um marido pouco amoroso? Será que a havia amado como merecia? Será que ela partiu sabendo que ele nunca a esqueceria? Será? Eram muitas as questões e nenhuma resposta.
Decidiu largar tudo. Seria bom recomeçar a vida em outra cidade. Escolheu um pequeno município no Estado de Minas Gerais, perto da capital. Ali, talvez, poderia esquecer o passado que lhe trazia tanta dor. Começou vida nova (pelo menos tentou), trabalhando no que mais gostava: a pintura. Conseguia um bom dinheiro vendendo suas obras, mas nada disso o fazia esquecer-se da dor de ser viúvo.
Um dia, no encontro da igreja para pessoas que perderam alguém amado, ele fez amizade com um senhor muito simpático que, como ele, havia perdido a mulher. Logo se entenderam e um partilhava do fardo do outro. O senhor, velhinho, atendia pelo apelido de Sócrates, pois havia mais sabedoria nele do que em todos os homens da cidade. Um dia, Sócrates disse algo que o homem nunca esqueceria:
- A vida é um eterno perde e ganha. Pessoas vão e pessoas vêm.- Eu só gostaria de ter ido no lugar dela – disse o viúvo, pesaroso.- Acho que isso não nos cabe decidir. Tudo o que nos cabe decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado.
E assim passaram-se mais dois anos. Já tinha feito amizade com quase todas as pessoas da cidadezinha. Já tinha certa fama como pintor. Todos admiravam o seu trabalho, mas nem assim a tristeza ia embora completamente. Até que um dia a notícia que um amigo trazia lhe renovou a esperança:
- Dizem que esse tal de Chico fala com gente morta. Ele ouve e escreve as mensagens do além. Dona Célia jura que a carta que ela recebeu numa sessão com esse Chico é de autoria de seu filho. Parece que ele a chamou de um apelido que somente ele e ela conheciam.- Vai saber... Tem tanta gente enganadora nesse mundo.- Por que você não vai?- Com o Chico?- Isso mesmo. Você não tem nada a perder. Se ele realmente for que diz ser, você poderá encontrar algum consolo se souber que a sua mulher está bem.
Mas ele não queria ir. Apesar de o amigo ter insistido, achava que aquilo tudo era muita baboseira. Sabia que a mulher estava perdida e nada neste mundo a traria de volta. Mas mesmo assim ainda existia algo nele que ia e voltava. Uma vontade grande de saber, mas também medo de não conseguir nada.
Enquanto estava pintando um quadro novo, seu amigo veio bater a sua porta. Estava suado e ofegava. Com certeza tinha corrido e quando o homem foi lhe perguntar qual era o problema, o amigo começou a falar:
- Chico disse que essa é pra você! Ele me fez correr até aqui! Sabia seu nome, sua profissão e um monte de coisa sobre você – ele trazia na mão uma folha de papel amassada.- Muita gente na cidade sabe meu nome, onde moro e o que faço pra viver. Não é novidade pra ninguém.- Só leia, por favor.
Olhou para o papel e a vontade de ler era maior que o ceticismo. Pegou a carta do amigo, agradeceu e fechou a porta. Sentou-se no sofá e começou a analisar a carta. Seus olhos enchiam de lágrimas enquanto lia. Ao terminar, não conseguiu conter as lágrimas. Somente se concentrou na última parte da carta: 
“Eu sei que você me ama. Você me amou muito mais do que eu fui capaz de perceber. Sei que você não me esqueceu e que nunca me esquecerá. Eu vivo em você. Eu nunca te esqueci. Você vive em mim.” 
Se aquelas palavras eram realmente de sua mulher, não saberia nunca. Afinal de contas, ele era cético em relação a tudo que lhe dissesse que sua mulher estaria realmente viva em algum outro plano. Mas aquela carta, vinda de onde quer que fosse, o lembrou de algo que havia esquecido, ou talvez nunca houvesse notado: Ela vivia dentro dele. Enquanto a lembrança dela estivesse viva, ela nunca estaria morta. Pelo menos, não completamente.

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